Repensando a Economia: Teoria Comportamental vs. Teoria Clássica
- Victor Cortes

- 16 de jul.
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A economia neoclássica se baseia em suposições de agentes racionais, preferências estáveis e informação perfeita, representadas na figura do homo economicus. Os indivíduos buscam maximizar sua utilidade e as empresas priorizam o lucro — fundamentos de teorias como eficiência de mercado e equilíbrio geral. No entanto, evidências empíricas crescentes questionam essas premissas, revelando desvios sistemáticos da racionalidade perfeita.
Influenciada por Simon, Kahneman, Thaler e outros, a economia comportamental integra a psicologia cognitiva à análise econômica. Ao abordar as falhas da teoria da escolha racional, oferece uma alternativa convincente, com importantes implicações para a teoria econômica, políticas públicas e estratégias empresariais.
Racionalidade Limitada
Simon (1955) é considerado um dos primeiros e mais relevantes críticos da teoria neoclássica. A economia tradicional assume que os agentes consideram todas as alternativas possíveis e escolhem a melhor. Simon, porém, argumenta que as pessoas enfrentam restrições cognitivas — como tempo, informação e capacidade de processamento limitados — o que as leva a "satisfazer" em vez de otimizar, ou seja, buscam soluções aceitáveis e não necessariamente as ideais.

Nos mercados financeiros, investidores frequentemente recorrem a heurísticas ou seguem a opinião popular em vez de realizar pesquisas aprofundadas (Gigerenzer & Gaissmaier, 2011). Da mesma forma, na estratégia corporativa, as decisões gerenciais tendem a seguir procedimentos operacionais padrão, e não processos dinâmicos de otimização (March & Simon, 1958). Esses comportamentos violam as premissas neoclássicas de racionalidade perfeita, indicando que os modelos devem considerar a tomada de decisão sob restrições para manter sua credibilidade.
Teoria do Prospecto: Tendências Cognitivas em vez da Utilidade Esperada
A Teoria do Prospecto de Kahneman e Tversky (1979) refuta empiricamente o modelo da utilidade esperada. Em vez de avaliarem os resultados apenas pelos estados finais, as pessoas tomam decisões com base em ganhos e perdas percebidos em relação a um ponto de referência. As perdas são vistas como mais impactantes do que ganhos equivalentes — um fenômeno conhecido como aversão à perda.

Diversas anomalias comportamentais podem ser explicadas por esse desvio em relação à utilidade esperada. Por exemplo, muitos investidores mantêm ativos em queda na esperança de recuperação e compensação das perdas, contrariando o princípio racional de minimização de prejuízos (Barberis & Xiong, 2009). Outro exemplo ocorre no mercado de seguros, onde as pessoas estão mais dispostas a pagar para evitar perdas do que para obter ganhos equivalentes, mesmo diante de probabilidades simétricas. A teoria do prospecto desafia os fundamentos da teoria da utilidade, oferecendo um modelo mais alinhado às preferências observadas.
Framing, Ancoragem e Heurísticas
A economia comportamental também questiona a visão neoclássica de que as preferências são estáveis. Isso se dá por meio dos efeitos de enquadramento (framing) e da ancoragem. Tversky e Kahneman (1981) demonstraram que a forma como uma informação é apresentada influencia as escolhas, mesmo que o conteúdo seja o mesmo. Esses resultados contradizem diretamente a ideia de preferências invariantes e destacam o papel do contexto na formação das decisões econômicas.
O viés de ancoragem, em que indivíduos dão peso excessivo às primeiras informações recebidas, reforça ainda mais a tese das limitações cognitivas proposta pela economia comportamental. Ariely (2008) mostrou que âncoras irrelevantes — como os dois últimos dígitos do número de seguro social — podem afetar o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por determinados produtos. Da mesma forma, Northcraft e Neale (1987) descobriram que o preço pedido por um imóvel influenciava significativamente as ofertas dos compradores, independentemente do valor real de mercado. Esses resultados questionam a avaliação racional, mostrando que as escolhas dos consumidores tendem a ser sistematicamente distorcidas.

Heurísticas afetam massivamente a tomada de decisões, por exemplo, a heurística da disponibilidade, que faz com que os indivíduos superestimem a probabilidade de eventos que são mais fáceis de lembrar, como o medo de acidentes de avião devido à ampla cobertura da mídia (Sunstein, 2002). A heurística da representatividade leva a crenças falsas quando as pessoas julgam a probabilidade com base na semelhança com estereótipos, em vez das taxas base (Tversky & Kahneman, 1974). Esses atalhos mentais mostram como a cognição humana se afasta do raciocínio estatístico e probabilístico, prejudicando a precisão preditiva dos modelos clássicos.
Inconsistência Temporal e Viés do Presente
Uma suposição crítica na economia tradicional é que os indivíduos têm preferências temporais consistentes e sempre maximizam a utilidade ao longo da vida. No entanto, economistas comportamentais demonstraram que as pessoas frequentemente apresentam preferências temporais inconsistentes, dando peso desproporcional às recompensas imediatas. Esse fenômeno é conhecido como viés do presente.
Estudos empíricos sobre comportamento de poupança oferecem evidências convincentes. Laibson (1997) introduziu o conceito de desconto quase-hiperbólico, ilustrando como as pessoas planejam economizar no futuro, mas falham em fazê-lo. Thaler e Benartzi (2004) responderam com o programa “Save More Tomorrow” (Economize Mais Amanhã), que aumentava automaticamente a poupança dos empregados ao longo do tempo. O sucesso dessa intervenção mostra como os modelos de economia comportamental podem informar o desenho de políticas eficazes, enquanto os modelos tradicionais preveriam poupança ótima voluntária sem intervenções externas.
Teoria do Nudge e Implicações para Políticas Públicas

Thaler e Sunstein (2008) desenvolveram a teoria do nudge, que operacionaliza insights comportamentais em políticas públicas. Diferentemente das intervenções tradicionais, que geralmente dependem de mandatos ou incentivos, os nudges reestruturam a arquitetura de escolha para direcionar o comportamento sem restringir a liberdade.
Os nudges são comuns no mundo real; por exemplo, no Reino Unido, o Behavioral Insights Team (“Nudge Unit”) utiliza técnicas comportamentais para aumentar a conformidade com o pagamento de impostos, o registro para doação de órgãos e a eficiência energética (Halpern, 2015). Por exemplo, lembrar as pessoas de que a maioria na sua região paga os impostos em dia aumentou significativamente as taxas de arrecadação. De forma semelhante, os efeitos de padrão pré-definido na adesão a planos de aposentadoria levaram a grandes aumentos nas taxas de participação em diversos países da OCDE (OECD, 2018). Esses sucessos demonstram a superioridade das políticas informadas pelo comportamento, especialmente em áreas onde não se pode presumir tomada de decisão racional.
Preferências Sociais: Altruísmo, Justiça e Reciprocidade
Outra dimensão em que a economia comportamental desafia a teoria tradicional é pela inclusão das preferências sociais, como preocupação com justiça, altruísmo e reciprocidade. No modelo neoclássico, assume-se que os indivíduos agem apenas em seu próprio interesse. Entretanto, resultados experimentais de jogos como o Jogo do Ultimato indicam o contrário. Nesse jogo, indivíduos receberam uma divisão injusta de dinheiro e muitos a rejeitaram, mesmo sofrendo prejuízo pessoal, por questões de justiça (Güth et al., 1982). De forma semelhante, o modelo de aversão à inequidade de Fehr e Schmidt (1999) mostra que os indivíduos obtêm utilidade não apenas dos seus próprios resultados, mas da distribuição justa entre os participantes.
Estruturas salariais em empresas frequentemente refletem considerações de justiça mais do que apenas produtividade marginal (Akerlof & Yellen, 1990). Além disso, em negociações comerciais internacionais, países frequentemente aceitam termos econômicos subótimos para buscar acordos equitativos ou manter integridade reputacional. Comportamentos como esses não podem ser explicados pela maximização tradicional da utilidade, mas modelos comportamentais fundamentados em preferências sociais conseguem explicar essas variações, oferecendo uma representação mais rica e precisa dos agentes econômicos.
Críticas e Limitações
Apesar de sua robustez empírica, a economia comportamental não está isenta de críticas. Uma limitação importante é a ausência de um framework teórico unificado. Diferentemente dos modelos neoclássicos, que são construídos a partir de formulações matemáticas para fornecer evidência e teoria, os insights comportamentais muitas vezes dependem de generalizações empíricas ad hoc (Glaeser, 2006).

Além disso, críticos argumentam que muitos estudos comportamentais dependem fortemente de experimentos laboratoriais, levantando preocupações sobre a validade externa e ecológica (Levitt & List, 2007). Essa é uma preocupação importante em relação à economia comportamental, pois o comportamento em laboratório pode não se traduzir em situações do mundo real.
Por fim, existem preocupações éticas envolvendo o uso dos nudges. Embora eles tenham a intenção de melhorar o bem-estar, podem ser percebidos como paternalistas ou manipulativos. Muitos, como Sunstein (2016), defendem seu uso dentro do conceito de “paternalismo libertário”. Contudo, o debate persiste sobre o equilíbrio entre a autonomia individual e a influência do Estado.
Conclusão: Economia Comportamental
A economia comportamental desafia a teoria econômica tradicional ao substituir agentes racionais por tomadores de decisão com limitações cognitivas e a utilidade esperada por heurísticas e vieses, oferecendo assim uma explicação melhor para comportamentos reais em finanças, consumo e políticas públicas.
Embora não tenha a matemática e as provas dos modelos clássicos, ela se baseia em evidências empíricas. Suas aplicações, desde reformas de aposentadoria até conformidade tributária, destacam sua relevância para políticas públicas. No entanto, deve complementar, e não substituir, a teoria clássica — aprimorando modelos onde as suposições falham e oferecendo novas ferramentas para o desenho eficaz de políticas.
Referências
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